A Rotina de Amélia
Stephanie Meiriño
Amélia não precisa acordar para iniciar seu dia, pois ela passou a noite em claro, como as outras vezes. Sair da cama é sempre o seu desafio... por que levantar? Ela só deseja ficar ali deitada. Uma vez ou outra rola entre os lençóis, esperando que sua alma desencarne e ponha um fim a tudo.
Mas ainda assim Amélia continua, arrasta-se em um mundo que parece não girar. E esmagada pela certeza de sucessivas derrotas, escolhe mais uma personagem para enfrentar as mesmas pessoas. Ela constrói sua máscara social para que possa sair rumo à "estrada dos sonhos”. Caminha sem vontade, sem expressão, seus olhos sem graça não transmitem sentimento algum, só o vazio... O maldito “sentimento? ” que a esgota, que provoca a sensação de aperto no peito, ao mesmo tempo que a afoga no nada e a faz sentir que o próprio nada habita e cresce em seu ser. Ela apenas se conforma com tudo, vivendo como se algo fosse explodir dentro de seu estômago, e mesmo sabendo que isso não ocorrerá, ela vive em aflição.
Em uma tentativa de café-da-manhã, tenta engolir um pedaço de meio pão, que parece estar azedo e desce como se esmurrasse a faringe da mulher, que logo empurra para fora o desgraçado, cuspindo aquela massa e qualquer outra coisa que comeu na noite anterior. Pensou em voltar para casa, para o aconchego da cama, mas devia continuar ali e então, com passos lerdos e curtos, segue em frente... segue desejando ser invisível para que ninguém note suas olheiras e sua pele pálida e fria ao toque, expositora de toda a angústia e tristeza que carrega. Mas nem invisível a vida a deixa ser e logo ela é rodeada pelos mesmos rostos de todos os dias, que alegres, compartilham sorrisos e graças, que a mulher retribui usando sua carismática personagem.
E ela mantém sua máscara até que o dia acabe. Às vezes, em um breve momento de solidão, permite que as lágrimas transbordem de seus olhos, sentindo o coração ser apertado, como se algo estivesse partido ou faltando dentro de seu corpo. Sente-se insuficiente para o que o mundo lhe cobra, para retribuir alguns atos de amor ou carinho que algumas pessoas tentam lhe transmitir. Ela se autodenomina como uma névoa fria de tristeza e grosseria, e por mais que não queira ser isso, ela não consegue evitar, pois seus modos parecem refletir o seu estado de espírito. Entretanto, ela evita magoar aqueles que a rodeiam isolando-se, porém ninguém parece entender o porquê de seu isolamento. Ela só quer poupar a todos de sua melancolia exacerbada e de seu pessimismo desenfreado.
Quando a noite chega, Amélia tenta despejar nas páginas de um velho diário tudo o que está dentro dela, mas percebe que só é capaz de escrever coisas medíocres como esse texto e como esse mais um dia. Desiste da escrita, assim como desistiu de desenhar. Parece ser incapaz de dormir, ah a insônia, velha amiga. E então percebe que sua longa vida é entediante e estupidamente deprimente. A culpa que ela sente sem motivo algum cresce a cada fim de sua rotina e a cada fim ela desiste de mais um sonho, mas seus sonhos parecem ter se esgotado, não sobrou nada.
Neste momento, encontra-se sem expectativas para um amanhã. Amélia chora por viver uma mentira todos os dias, chora por só restar o vazio. Não consegue dormir e se conseguir, não quer acordar. Não há mais nada neste mundo que ela possa fazer, nem planos, nem nada de significativo, seu futuro parece não existir. Sem a mínima força para tentar, só existe uma coisa a se fazer: desistir. Amélia não tem nada, mas ela sabe o que talvez este leitor não saiba ... do que Amélia irá desistir?