
Um homem que cresceu de indignações
Em 1882, em Taubaté começou a vida desse homem, que teve a vida repleta de contradições. E começando as contradições de sua vida, neto do Visconde de Tremembé, o homem mais rico e respeitado do lugar, foi filho da filha ilegítima do Visconde, o que o colocava na incômoda condição de neto natural. Único descendente masculino, escolhido como herdeiro pelo avô, ele foi, ao mesmo tempo, amado e rejeitado pela cidade onde nasceu. Em Taubaté passou 17 dos seus 66 anos de vida, excluindo sua infância feliz, ele nunca conseguiu se entender com sua terra natal e nem ela com ele, pois há um grande descompasso entre as afirmações do lugar exato em que ele nasceu.
Em Taubaté veio um momento marcante de sua vida, sua escolarização, onde se descobriu um péssimo aluno de Língua Portuguesa, chegando até, a ser reprovado. Conta-se que seu livro “Emília no país da gramática” foi fruto dessa experiência. Aos 13 anos, mudou-se para São Paulo, onde foi se preparar para o curso de direito. Ele nunca foi
um bom aluno, na Faculdade do Direito do Largo São Francisco definiu seu período inteiro com uma única frase: “Aproveitei bastante dos meus professores. Não os miolos, mas sim as caras, das quais fiz ótimas caricaturas”. Concluindo o curso voltou para Taubaté, onde afirmou que seu bacharel não significava nada para ele. Mesmo assim foi para a cidade de Areias exercer o cargo de advogado, onde afirma ter passado o pior momento de sua vida, onde passava a maior parte do seu tempo lendo. Tanto em Areias como em Taubaté, nosso personagem sempre mostrou- se um inconformado com a vida acomodada do interior criticava o “convencionalismo de aldeia das comunidades”.
Antes de se tornar renomeado, ele foi herdeiro da fazenda de seu avô, tornando-se um ávido fazendeiro. Nessa época começou a observar bastante o homem do campo, enquanto se esforçava para conter a baixa produtividade, dessa observação nasceu Jeca Tatu, a sua mais divulgada criação. Foi como fazendeiro que ele revelou-se escritor. Atormentado com as queimadas que destruíam suas terras, ele escreveu uma carta ao Jornal O Estado de São Paulo, denunciando a queimada do Vale do Paraíba. O jornal gostou tanto da carta que a transformou em artigo, publicando-a em destaque. Foi ele quem acabou com a imagem romântica e ingênua que a literatura brasileira fazia do interiorano.
Antes mesmo de o movimento modernista sacudir a cidade de São Paulo, ele incomodado com o excesso de divulgação dos autores estrangeiros, decide fundar a sua própria editora, nascia assim, a indústria editorial brasileira. Nasceu daí o cuidado do editor em se preocupar com o aspecto visual de suas publicações. Foi com ele que o Brasil conheceu a obra ilustrada e a obra infantil de qualidade.
Não levava a religião muito a sério e criticava muito os padres, com quem ganhou uma briga que o acompanhou pela vida inteira. Na década de 40, já era um escritor de sucesso, porém era detentor de muitos adversários, como a Igreja Católica, que não aprovava as obras do escritor. O veto sobre seus livros, sobretudo os infantis, recaiam sobre todas as escolas católicas, que proibiam seus alunos de lerem os seus livros.
Um grande ramo em sua vida foi o de empresário, ele investia em idéias e nem sempre as idéias acompanhavam o seu ritmo frenético. Com a Revolução de Isidoro Dias Lopes, a cidade para durante um mês, as oficinas da editora também. Sem produzir, ele vai à falência. Mas sua grande aventura como homem de negócios foi com o petróleo, quando acreditou na capacidade de autonomia econômica do país, porém por falta de apoio do governo em projetos nacionais sua experiência foi um fracasso.
Sendo uma figura ilustre, seus personagens sempre foram muito apreciados. E a força desses personagens era tão grande, que eles saíram do livro para o vídeo assim que a televisão foi criada. E a literatura infantil foi o seu grande fascínio, dizia ele “Devia ter escrito mais para as crianças, perdi meu tempo escrevendo para gente grande.“
Ele que teve uma vida agitada de intelectual e de militante dos interesses do país, teve a vida contada até por uma escola de samba. Pioneiro da indústria do livro, da campanha pelo petróleo e por uma siderurgia nacional, ativo defensor pela da luta pelo saneamento básico e contra o desmatamento do país, José Bento Monteiro Lobato foi acima de tudo, escritor e como tal criador da literatura infantil no Brasil.
Para Lobato, arte e vida eram na verdade coisas muito próximas, por isso ele dizia que a indignação era o único sentimento que o animava a escrever.
Samily Correa