Era Só A Superação de Problemas

O barulho estridente era o princípio da rotina daquele homem. Maldita ferramenta de tortura, o despertador, soa de maneira tão azeda e medíocre, o traz a vida novamente, que ele considerava tão miserável e indesejada.
Mal iniciava o dia e já se sentia apunhalado por mil facadas vindas de cada gota do chuveiro e estas, por mais doídas que fossem, curavam-lhe a ressaca. A origem desta ele bem sabia, pois vivia no ócio para esquecer a mulher que o abandonara e levara consigo os filhos. Considerava-se um condenado, desprezível, era uma sensação constante, fazendo-o todos os dias refletir sobre sua insignificância enquanto junta do chão da cozinha garrafas de cerveja que consumiu no dia anterior. Seus filhos não o amavam, sua ex-esposa era feliz ao lado do outro.
Sem comer, abre a porta para sair, a luz do Sol em seu rosto era algo extremamente desconfortável, assim como caminhar naquela multidão, que o encarava de um modo asqueroso e frio, como se ele fosse um animal qualquer. Logo entra em um ônibus, o motorista nem o bom dia retribui, os homens já pareciam querer enxotá-lo do veículo, as mulheres o olham com desdém, mas ele já estava habituado a passar por estes constrangimentos, sabia manter seu rosto indiferente àquelas pessoas, enquanto chorava por dentro, com pena de si. Senta ao lado de uma moça, que levanta para distanciar-se do homem, enojada e nada sutil.
Chega ao trabalho, apressa-se para a reunião, era dia de apresentar seu projeto ao chefe. Ele poderia ser promovido, pensou que logo conseguiria comprar presentes para seus filhos e ter algum tipo de relação com eles ou poderia até mesmo comprar uma nova casa, com piscina, só para ver suas crianças brincando. Mas as horas passavam e seu chefe o fez esperar uma manhã e uma tarde, quando chegou a noite, falou para o homem que a empresa estava reduzindo o quadro de funcionários, estava demitido e lá se foram todos os planos, nem promoção, nem emprego.
Retorna para casa, ônibus lotado, cansado e empurrando pessoas, consegue sentar-se em um banco. Sua ex-esposa liga, a mulher diz que levará consigo todos os filhos para morarem no exterior com ela e o novo marido. Atordoado, sai correndo para fora do ônibus e chora com a possibilidade de perder tudo o que lhe restava de família. A dor, a pena de si, o ódio e a tristeza lhe pesavam na mente e no coração, ele só queria esquecer seus problemas, foi para um bar e embebedou-se até a última gota.
Cambaleando chega em casa, duas correspondências o aguardavam, abriu a primeira e viu em um pedaço de papel a casa lhe ser arrancada. A hipoteca estava atrasada e o banco tomaria o seu lar em menos de um mês. Abre a segunda carta e só o lembrou o que já sabia, dívida de milhares de reais impossível de ser paga. Chorou desesperado, chorou bêbado e chorou com pena de si, mas ele só queria esquecer seus problemas, então foi até a gaveta na penteadeira de seu quarto e lá estava um revólver, tão brilhante, parecia estar pronto para ser usado.
Agarrou o revólver e o posicionou contra a própria cabeça. Ajoelhou-se e olhou o seu reflexo no espelho, o rosto estava manchado de lágrimas e tristeza. Observou pela última vez sua face, atirou. Lá se foram seus problemas, esvaneceram-se todos os planos, todos eles acobertados pela covardia de um ser que só sentia pena de si. E então findou a situação de um homem que só vivia mais uma rotina comum, um simples cotidiano.
Stephanie Meiriño